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(Quadro de Ângelo de Sousa)
Cheguei à hora, mas ainda estavam lá poucos colegas (o texto desta vez é mais extenso devido a ter ficado incumbida de tomar apontamentos para um colega). Pouco a pouco foram chegando mais, até que o nosso Professor resolveu abrir a sessão, convidando-nos a ler o TPC.
A 1ª voluntária leu um texto muito bem escrito bonito pelas imagens que evocava, mas não me pareceu um inferno. Mais uma história de vida, com referência a memórias partilhadas e a um cúmplice (devo sublinhar no entanto que por ter dormido muito pouco estava cheia de sono; apesar de estar a tentar estar atenta, pode ter-me escapado o "inferno" entre as linhas).
Depois voluntariou-se uma colega mais jovem. O seu texto era escrito por alguém que tinha sido abandonado e expressava o seu ódio contra aquele que a abandonara. Já me pareceu mais um inferno.
Um colega também jovem trazia um texto a duas vozes e pediu a ajuda do outro colega a seu lado. Penso que teria sido melhor ideia ter pedido a colaboração de uma colega porque o seu texto era sobre uma mulher torturada e a segunda voz era a dessa mulher. No entanto, pareceu-me muito interessante a sua ideia.
Não sei se nessa altura o Professor explicou-nos (melhor) o que pretendia com o TPC. Queria que inventássemos um narrador que falasse de uma grande humilhação sofrida. Como por exemplo alguém com um ar importante que se estatela no chão.
Referiu também que o texto confessional do nosso personagem perde força quando é acompanhado pelo elemento da compaixão.
Pretendia-se uma viagem ao fim da noite, a descoberta do nosso rosto, do que somos. Segundo o professor, em cada um existem vários trastes ou um traste, um ser abjecto e a noção de que às vezes vem à tona é importante.
O professor não queria a sombra da compaixão, mas o nojo. Deu o exemplo de uma mulher apaixonada por um homem, a quem outro homem se declara. Se este lhe pedisse e lhe suplicasse em lágrimas para ficar com ele, ela sentiria por ele repulsa, nojo, desprezo. Pareceu-me que o professor tem a ideia de que as mulheres nesse domínio serão piores do que os homens.
Citou um poema de Eugénio de Andrade sobre o pai dele. Era filho natural. A mãe era uma camponesa abandonada, que o deu à luz em pleno campo e o pai um proprietário rural que tinha desprezo pelo filho por ser filho da camponesa. Nesse poema ele diz que iria cortar os genitais do pai e que depois os lhe enfiaria na boca (modalidade de humilhação que eu desconhecia).
Muito violento (esta apreciação é minha, agora).
O professor citou aquela frase ou será mesmo um título de um livro do Sartre "L'Enfer sont les autres". Referiu que os nossos ódios normalmente movimentam-se na esfera familiar, fonte de neuroses.
Referiu também que às vezes cruzamo-nos com pessoas que imediatamente detestamos (não tenho bem a ideia de isto me acontecer, mas pode ser porque sou míope)
Pediu-nos então para escrevermos um texto de ódio.
Escrevemos o texto e alguns voluntários leram os textos que tinham escrito. Penso que talvez dois, respectivamente de uma colega e um colega, pegaram no tema de uma forma parecida, como se tivéssemos uma leitura feminina e uma leitura masculina de alguém que tinha sido abandonado.
O Professor falou-nos então de alguns escritores que foram bem maus.
O Camilo Castelo Branco forjou umas cartas, fazendo crer a um amigo recém-casado que a mulher o tinha atraiçoado. A rapariga morreu de desgosto por se ver desprezada injustamente e o amigo suicidou-se.
O Proust comprava ratinhos brancos que depois picava com agulhas de chapéus e era assim que se realizava sexualmente (não sabia nada disto sobre ele, e se calhar até preferia continuar a não saber...)
Falámos também do Desprezo de Moravia e de um livro "O Cego de Sevilha" (não apanhei o autor). Um homem para se vingar de outro por uma patifaria nos negócios, filma em vídeo a mulher que o segundo adorava, a enganá-lo com o melhor amigo, prende-o no sótão, corta-lhe as pálpebras para que não possa fechar os olhos e obriga-o a ver o vídeo.
Foi-nos exibido um quadro (a preto e branco, um triângulo preto com o vértice virado para baixo e o resto do quadro em branco) Disse-nos que era de um pintor abstracto que vive no Porto, mas não nos disse o seu nome. E pediu-nos títulos para o quadro. Foram propostos: Más Notícias, Cálice, Decote, Triângulo não amoroso, Traseiro (este achei estranho) e Triângulo original.
Falou-se do grau 0 da escrita, escrita neutra.
Uma nossa colega foi escrever o início do seu texto de ódio, ao quadro. E foi-nos perguntado o que seria preciso para que ficasse esquemático. Primeiro tirar a pontuação, depois os adjectivos e a seguir as expressões coloquiais. O texto ficou mais em bruto. Colocou-se a questão se estaria mais forte. A resposta foi a que por estar mais curto ficou mais frio, por isso mais forte.
Falou-se de novo na matriz barroca e na matriz neoclássica e sobre qual será a casa que habitamos quando escrevemos. Em qual das duas grandes famílias de escritores, os que escrevem, acrescentando e os que escrevem, retirando.
Escrita meridional - Barroco, universo italiano
Escrita setentrional - Alemanha, países nórdicos mais clássicos
É sempre possível tirar mais, mas cuidado para não tirarmos tanto que que não diga nada, existindo o mesmo perigo no outro: pôr tanto que a mensagem se perde.
Agora o TPC para a próxima aula:
- Receita de algo que gostamos muito e escrever de forma mais literária possível.
(eu pensei na mousse de chocolate, mas ainda estou indecisa; entretanto comecei dois ou três textos...mas não estou satisfeita com o resultado. Como escrever uma receita culinária de uma forma literária? Penso nos livros "Chocolate" da Joan Harris e "Como Água para Chocolate" de Laura Esquivel. Deverá ser algo assim ou estarei simplesmente com uma carência de chocolate?)